Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes
Conquanto o marco anual de 8 de março seja reconhecido como Dia Internacional da Mulher [1], até os dias atuais os resultados das pesquisas ainda identificam que as mulheres continuam a enfrentar diversas e inúmeras dificuldades no mercado de trabalho.
Neste ano de 2023, a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir do tema “Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de gênero”, pretende debater o impacto da lacuna de gênero no alargamento das desigualdades econômicas e sociais [2] em decorrência dos avanços tecnológicos e da nova era digital.
Nesse sentido, pode-se dizer que as diferenças de salários, a dupla (ou tripla) jornada, a maternidade, a violência, o assédio, assim como a falta de oportunidades em igualdade de condições, isso se comparadas àquelas destinadas aos homens, são apenas algumas das dificuldades enfrentadas.
Segundo os dados do terceiro trimestre de 2022, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, o rendimento médio real mensal das mulheres ocupadas era 21% menor do que o dos homens [3]. A pesquisa ainda revelou que do total de pessoas que se encontravam fora da força de trabalho, 64,5% eram mulheres, sendo que, deste percentual, 5,7% delas achavam-se em condições de desalento [4].
No Brasil, nos últimos dez anos, as mulheres receberam, por mês, entre R$ 2.200 e R$ 2.400, enquanto os homens ganharam entre R$ 3.000 e R$ 3.100 [5]. À vista disso, o atual governo pretende propor uma legislação de igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função [6].
A temática envolvendo a questão de gênero, por certo, é de grande relevância para toda a sociedade, ganhando ainda mais destaque no mês em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, tanto que foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da revista Consultor Jurídico (ConJur) [7], razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já havia se manifestado no sentido de que a transparência salarial pode ser favorável no combate aos desequilíbrios entre homens e mulheres, e, por conseguinte, pode auxiliar na luta contra a discriminação e igualdade de gênero [8].
Frise-se que de acordo com os dados estatísticos, 17,2 milhões de residências que recebem o Auxílio Brasil são chefiadas por mulheres, o que equivale a 81,5%. Trata-se de um programa do governo destinado às famílias que se encontrem em situação de vulnerabilidade econômica e social [9].
Recentemente, uma nova avaliação feita OIT apontou que as discrepâncias de gênero no acesso ao emprego e ao trabalho são maiores do que se imaginava, de modo que 15% das mulheres em idade produtiva desejam trabalhar, porém, não têm emprego [10]. O estudo demonstra que a diferença de gênero permaneceu quase invariável por duas décadas, sendo a diferença mais expressiva nos países em desenvolvimento.
Aliás, consoante o relatório Women in the Workplace 2022, da McKinsey & Company em parceria com o LeanIn.Org, os homens superam significativamente as mulheres nos cargos de gerência, sendo a dificuldade ainda maior para a mulher negra [11].
Indubitavelmente, as questões envolvendo igualdade de gênero são de suma importância, tanto que a OIT possui diversas convenções que abordam a temática, dentre elas a Convenção nº 100, ratificada pelo Brasil, que discorre sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor [12]. Ainda, a Convenção 111 da OIT [13], também ratificada pelo Brasil, que veda a discriminação em matéria de emprego e ocupação, fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
A respeito do tema, oportunos são os ensinamentos de Claiz Maria Pereira Gunça dos Santos e Rodolfo Pamplona Filho [14]:
“O princípio da isonomia pressupõe a igualdade de oportunidades, o respeito à dignidade, bem como o pleno e igualitário exercício dos direitos e liberdades fundamentais por todos os seres humanos. Consagrado em diversos diplomas internacionais, o princípio da isonomia constitui norma de jus cogens, proibindo a adoção de práticas discriminatórias.Com o objetivo de promover oportunidades para que mulheres e homens possam ter acesso a um trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, igualdade e dignidade, a Organização Internacional do Trabalho consagra a igualdade e a não discriminação em diversos diplomas normativos, como a Convenção sobre a igualdade de remuneração (Convenção 100), a Convenção sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão (Convenção 111), a Convenção sobre a proteção à maternidade (Convenção 183), a Convenção relativa à igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares (Convenção 156).Além disso, a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, reafirma a importância da eliminação da discriminação nas relações de labor, conferindo status de core obligation às Convenções 100 e 111 da OIT.”
Se é verdade, por um lado, que matérias envolvendo equidade de gênero e de oportunidades são de grande relevância para a toda sociedade; lado outro, essas se revelam indispensáveis para o respeito dos direitos humanos fundamentais. Nesse desiderato, um dos objetivos da Agenda 2030 da ONU é exatamente cessar com as formas de discriminação contra todas as mulheres, garantindo igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública.
Aliás, que de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, que visam garantir a paz e a prosperidade para as pessoas, a igualdade de gênero aparece como o objetivo número 5 [15].
Bem por isso, se torna imprescindível que as empresas, em respeito as boas práticas de ESG [16] e a sua função social, criem mecanismos para a implementação de condutas favoráveis ao ingresso da mulher ao mercado de trabalho, sobretudo com a geração de oportunidades em cargos de direção e liderança.
Além disso, mais do que leis protetivas, é importante que haja uma legislação cada vez mais promocional e inclusiva, de modo a permitir que as mulheres obtenham as suas merecidas promoções no mercado do trabalho, salvaguardando a segurança e os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Carta Magna [17].
Para tanto, sugere que um dos caminhos para que seja factível o alcance desta igualdade de gênero nas empresas, além do comprometimento da coletividade, é naturalmente buscar compreender mais sobre os Princípios de Empoderamento das Mulheres [18], criados em 2010, pela ONU Mulheres [19] e Pacto Global [20], que propõem orientações justamente sobre como promover essa igualdade de gênero. Inclusive, existe em andamento uma campanha denominada Movimento Elas Lideram, iniciada em maio de 2022, que tem por fim levar mais de 11 mil mulheres para cargos de alta liderança até 2023 [21].
Em arremate, a desigualdade de gênero é muito mais que a desigualdade salarial, não obstante esse fator seja extremamente relevante. É preciso uma mudança cultural de toda a sociedade, nela incluindo as empresas, os trabalhadores e o Estado, respeitando-se, assim, os direitos humanos, a justiça social e o trabalho decente, proporcionado à mulher o seu merecido espaço no mercado de trabalho.
[1] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_das_Mulheres. Acesso em 7/3/2023.
[2] Disponível em https://www.onumulheres.org.br/noticias/dia-internacional-das-mulheres-2023-por-um-mundo-digital-inclusivo-inovacao-e-tecnologia-para-a-igualdade-de-genero/. Acesso em 7/3/2023.
[3] Disponível em https://www.dieese.org.br/infografico/2023/infograficosMulheres2023.pdf. Acesso em 7/3/2023.
[4] Disponível em https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2023/mulheres2023.pdf. Acesso em 7/3/2023.
[5] Disponível em https://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2023/03/07/o-poder-politico-e-muito-concentrado-na-mao-dos-homens-e-isso-desfavorece-o-avanco-das-mulheres-diz-especialista-sobre-igualdade-salarial.ghtml. Acesso em 7/3/2023.
[6] Disponível em www.cnnbrasil.com.br/business/lula-diz-que-vai-propor-lei-de-igualdade-salarial-entre-generos-no-dia-da-mulher. Acesso em 7/3/2023.
[7] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[8] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_856235/lang–pt/index.htm. Acesso em 7/3/2023.
[9] Disponível em https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2022/10/mulheres-sao-responsaveis-familiares-em-81-5-dos-lares-que-recebem-auxilio-brasil. Acesso em 7/3/2023.
[10] Disponível https://news.un.org/pt/story/2023/03/1810927. Acesso em 7/3/2023.
[11] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/mulheres-em-cargos-de-lideranca-estao-mais-propensas-a-desistir-aponta-estudo/. Acesso em 7/3/2023.
[12] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang–pt/index.htm. Acesso em 7/3/2023.
[13] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang–pt/index.htm. Acesso em 7/3/2023.
[14]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/188711/2020_santos_claiz_conv190_violencia.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 7/3/2023.
[15] Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5. Acesso em 7/3/2023.
[16] Para melhor conhecimento e aprofundamento da temática, indicamos a leitura da obra ESG: A Referência da Responsabilidade Social Empresarial (Editora Mizuno), da qual o professor Ricardo Calcini é um dos organizadores. Disponível em: https://www.editoramizuno.com.br/livro-sobre-esg-e-responsabilidade-social-empresarial.html. Acesso em 28/2/2023.
[17] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 7/3/2023.
[18] Disponível em http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/#:~:text=Os%20Princ%C3%ADpios%20de%20Empoderamento%20das,a%20discrimina%C3%A7%C3%A3o%20contra%20as%20mulheres. Acesso em 7/3/2023.
[19] Disponível em https://www.onumulheres.org.br/. Acesso em 7/3/2023.
[20] Disponível em https://www.pactoglobal.org.br/. Acesso em 7/3/2023.
[21] Disponível em https://www.onumulheres.org.br/noticias/movimento-elas-lideram-parceria-da-onu-mulheres-e-pacto-global-por-mais-mulheres-na-alta-lideranca-das-empresas/. Acesso em 7/3/2023.
Ricardo Calcini é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).
Revista Consultor Jurídico